ADILSON OLIVEIRA
Especial para o VERBO ONLINE, em Taboão da Serra
A mulher ainda sofre de maneira dramática a violência doméstica e familiar também em Taboão da Serra, mas a lei Maria da Penha – criada em 2006 – “funciona” e não deve ser desacreditada mesmo diante de realidade alarmante. “Não podemos achar porque teve um caso muito grave que não funciona. A lei funciona sim. Eu não tenho nenhuma crítica à lei, tenho à aplicação e efetividade”, diz a promotora Maria Gabriela Mansur, do Ministério Público de Taboão.
Maria Gabriela revela que Taboão saltou de 30 processos de violência doméstica abertos para 6 mil em dois anos e meio e manifesta “frustração” por o município ainda não contar com uma vara e promotoria especializadas no combate à agressão de gênero, previstas na lei. Já o projeto “Grupo do agressor” implantou, com grande êxito. “Só através da união entre homens e mulheres que vamos conseguir diminuir o índice alarmante de violência que temos atualmente.”
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VERBO ONLINE – Qual a contribuição [da palestra] da sra. na comemoração dos 9 anos da Maria da Penha aqui em Taboão da Serra?
Maria Gabriela Mansur – A minha contribuição nada mais foi que simplesmente chancelar o trabalho que vem [sendo] feito no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher aqui em Taboão da Serra: o envolvimento do Poder Executivo, do Judiciário e do Legislativo, muito mais, a credibilidade junto à sociedade do nosso trabalho, um trabalho em parceria, em rede, não só à frente da parte criminal, da punição ao agressor de violência doméstica, mas também um olhar para a mulher que precisa ser reinserida na sociedade com escolaridade, com trabalho, com oportunidade para que ela restabeleça a sua vida, sua autoestima e consiga viver livre de todo tipo de violência doméstica.
VERBO ONLINE – A sra. falou sobre um projeto desenvolvido em Taboão da Serra que busca o convívio harmonioso entre homens e mulheres.
Maria Gabriela – Sim, é um projeto em que se viu, trabalhando com as mulheres, a necessidade de um olhar para os homens, de conversar com esses homens, fazer a reflexão sobre o que está acontecendo com ele, por que toma atitudes agressivas, não respeita a liberdade de escolha da mulher. Fizemos esse levantamento e a proposta de um trabalho conjunto entre Ministério Público, Poder Judiciário e todas as secretarias municipais, de fazer um grupo de reflexão com esses homens que já estão sendo processados. Não é voluntário, é de comparecimento obrigatório em que eles são selecionados por uma equipe técnica do Ministério Público e são intimados pelo Judiciário a comparecerem a oito encontros. Durante esses encontros fazemos uma reflexão sobre cada tema que entendemos ser importante, como ciclo da violência, a necessidade de uma lei para proteger os homens, sobre masculinidade, feminismo, sexualidade, machismo, sobre o direito de defesa do homem também, qualidade de vida e autoestima, álcool e drogas principalmente. Muitos desses homens estão inseridos num contexto de vulnerabilidade, às vezes estão desempregados, estão com problema de álcool e droga ou estão com autoestima baixa por não aceitar a independência e autonomia da mulher. Há necessidade de um trabalho com ele para que se evite que esse impulso dele de insatisfação pessoal ou familiar se reverta em atos de violência.
VERBO ONLINE – Esse projeto começou quando, envolve quantos homens e qual o resultado até aqui?
Maria Gabriela – Começou no ano passado, quando trabalhamos com 25 homens autores de violência. Desses, 20 homens compareceram em todos os oito encontros. E os acompanhamos até o mês de julho, e eles não reincidiram, então o índice de reincidência foi zero, o sucesso foi de 100%. Devido ao sucesso e todo o apoio que temos em Taboão da Serra, vamos realizar a segunda edição, vai ser lançada na terça-feira [hoje, 11 de agosto], ao lado do Fórum, no TaboãoPrev, em que vamos receber 30 homens já pré-selecionados, já intimados que estão respondendo a processos, inquéritos policiais por violência contra a mulher. São crimes de ameaça, injúria, calúnia, difamação, e lesão corporal. Não entram crimes sexuais e tentativas de homicídio ou homicídio consumado. Esses são crimes mais graves que já ultrapassaram esse ciclo de violência, já chegaram aos finalmentes, aí entendo que existe a necessidade de uma punição inicial para que depois seja feito trabalho de ressocialização. É um projeto que está aos olhos da sociedade, a ONU Mulheres pede que se faça trabalho com os homens. Só através da união entre homens e mulheres que vamos conseguir diminuir o índice alarmante de violência que temos atualmente.
VERBO ONLINE – É uma mudança de paradigma [de enfoque]?
Maria Gabriela – Sim, é a tentativa de transformação cultural, e toda transformação cultural leva tempo, exige sacrifícios, uma desconstrução de comportamentos. E para isso há necessidade de apoio, união e de insistência, não podemos desistir, porque tem vários obstáculos. Não é fácil trabalhar com os homens, eles chegam extremamente inconformados em estarem participando de um projeto numa manhã inteira, em que se dizem não autores de violência. Mas têm que entender que se estão ali algum motivo tem.
VERBO ONLINE – Mesmo com esse projeto promissor ou exitoso já, nove anos depois de criada a lei Maria da Penha, a mulher vive, de forma dramática ainda, a violência doméstica?
Maria Gabriela – Entendo que sim, estamos diante de vários casos de violência, todos os dias chegam casos e mais casos que parece que ainda estamos no século passado. Mas a lei nesses nove anos teve muito a contribuir, deu voz a muitas mulheres, contribuiu para transformar a vida de muitas mulheres, chamou a atenção do poder público, das autoridades, da sociedade, empoderou muito as mulheres. Acredito na lei, ela já colaborou muito e vai colaborar muito mais, não podemos achar porque teve um caso muito grave que não funciona. A lei funciona sim. Eu não tenho nenhuma crítica à lei, tenho à aplicação e efetividade à lei, para isso que vamos lutar.
VERBO ONLINE – O que falta em termos de política pública?
Maria Gabriela – Investimentos e fazer cumprir o que está na lei. Grupo do agressor está na lei para ser cumprida. Coordenadoria dos direitos da mulher tem que ter em todos os municípios. Delegacia da Mulher tem que ter em todos os municípios e [funcionando] 24 horas. Tem que ter casa abrigo, casa de passagem, promotorias especializadas em todo o Estado, não só na capital, varas especializadas em todos os locais. Isso tudo está faltando, estamos carentes nessa seara. Mas já tem uma lei prevendo, já estamos [nos] adiantando em vários aspectos, foram criadas as promotorias e as varas especializadas na capital, mas é preciso difundir não só na capital como para todo o Estado de São Paulo, quiçá para todo o Brasil a efetividade da lei Maria da Penha.
VERBO ONLINE – Em Taboão não tem essa vara…
Maria Gabriela – Não tem. Ainda que seja um dos municípios mais violentos do Estado [em que os casos de combate à violência doméstica e familiar saltaram de 30 processos há dois anos e meio para 6 mil atualmente], que tenha um trabalho, modéstia à parte, de excelência do Ministério Público e da equipe que conseguimos formar, e do apoio da municipalidade, entende-se que não há necessidade ainda da criação de uma vara de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que muito me traz decepção e frustração, numa falta de reconhecimento ao nosso trabalho que temos desenvolvido ao longo desses três anos. Mas não desistimos, vamos fazer novo pedido e conseguir trazer para Taboão uma vara especializada, e também uma promotoria, que já temos, só falta o reconhecimento de que é especializada no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Para isso, conto com a colaboração da mídia, da imprensa, da municipalidade, e mais ainda da sociedade, que é a beneficiária final de todo o trabalho que fazemos.