Teologia da Libertação e RCC me fazem padre completo, diz mons. Aguinaldo

Especial para o VERBO ONLINE

Mons. Aguinaldo, que faz jubileu de prata de padre, em entrevista ao VERBO
Mons. Aguinaldo, que celebra 25 anos de padre nesta 3ª, 20h, no Santuário Santa Terezinha, fala ao VERBO

ADILSON OLIVEIRA
Especial para VERBO ONLINE, em Taboão da Serra

Monsenhor Aguinaldo de Carvalho comemora 25 anos de sacerdócio, nesta terça-feira, 3 de dezembro, em missa solene às 20h no Santuário Santa Terezinha em Taboão da Serra (centro), como um padre “completo”. Ele se formou como seminarista, a partir de 1982, na linha da Teologia da Libertação – corrente do catolicismo que prega a religião como instrumento de transformação social – e nos primeiros anos de sacerdote se “abriu” ao Espírito Santo depois de “conversão” pedida por fiéis “que adquiriram calos nos joelhos rezando por mim” em grupo de oração da Renovação Carismática Católica (RCC), movimento da Igreja que rejeitava sem piedade.

“Consegui somar tudo o que aprendi na Teologia da Libertação e que passei a aceitar e valorizar da espiritualidade a partir do Espírito Santo, e a olhar a Renovação Carismática como um grande serviço para a Igreja, para a vida das pessoas. Eu não fiquei só um sacerdote na linha carismática, tenho na paróquia um trabalho enorme de evangelização espiritual, mas também, em conjunto, um trabalho enorme social. Só tenho a agradecer a Deus por esses dois momentos da minha vida, e ter um ministério mais amplo, mais completo, e não unilateral”, diz monsenhor Aguinaldo, 51, ao VERBO na “Entrevista da Semana”, em que faz revelações surpreendentes.

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VERBO ONLINE – Monsenhor Aguinaldo, o sr. está comemorando 25 anos de sacerdócio, mas como aconteceu de vir a se tornar padre?
Monsenhor Aguinaldo de Carvalho – Deus tocou o meu coração para a vocação ainda na minha infância, de maneira pura e ingênua. Minha família morava na época [anos 60] num sítio [em Itatuba, Embu], meu pai era o presidente da comunidade – não se usava ainda a expressão “coordenador” –, era a diretoria que geria a comunidade, uma capelinha [igreja Menino Jesus, hoje Paróquia Santa Paulina], muito simples, no meio rural – hoje posso falar capelinha, mas quando criança era uma “capelona”, achava uma igreja grande [ri]. E se faziam muitas festividades para angariar recursos para manter a vida daquela comunidade, e sempre meu pai me envolvia em tudo isso, nas atividades, missas. Eu lembro que teve uma missão popular lá, realizada pelos padres redentoristas, foram dois padres, de batina preta, alegres, eram sacerdotes muito contagiantes, presença que para mim era algo de outro planeta, extraordinário. Aquela visita, de fato, me impressionou bastante. Meu pai, sendo presidente da comunidade, ficou encarregado de providenciar alojamento para eles, improvar os quartos para que se hospedassem e pudessem pernoitar. Eles iam lá em casa, muitas refeições tomavam no sítio do meu pai, minha mãe que preparava, era como se o céu tivesse baixado na terra. De tão vibrantes, nos contagiou, e me chamou atenção para esse universo, para essa possibilidade do sacerdócio. Eu me lembro que quando voltava das missas brincava de celebrar missa, com bolacha “Maria”. Era uma brincadeira, mas de repente Deus já estava me preparando.

VERBO – Que idade o sr. tinha?
Mons. Aguinaldo – Ah, de 5 a 7 anos, bem na primeira infância mesmo, de total ingenuidade. Depois, fui crescendo, me tornei adolescente, mudei do ambiente rural do sítio para a cidade [região central de Embu], embora fosse uma mudança de seis quilômetros de um lugar para o outro, mas culturas totalmente diferentes. Na vida em torno do sítio, dos animais, do meio rural, o único universo que existia para mim eram a família, a igreja e a escola, era um universo muito reduzido. Quando fui para o ambiente urbano, fui vítima, como todo mundo é, de um choque cultural, de mudança de ambiente, que me agitou muito e fez com que eu acabasse me afastando da igreja. Estava na adolescência, com toda a pujança da fase de vida, e isso me fez esquecer a possibilidade de ser padre, nem me passava mais pela cabeça. A partir deste momento, meu desejo era ser médico. Naquela época, quando terminávamos o que hoje se chama de ensino fundamental e passávamos para o segundo grau, que hoje é o ensino médio, era a hora de se fazer as escolhas, podia escolher o seguimento na área de humanas, exatas ou biomédicas. Como queria ser médico, fiz meu ensino médio na área de biomédicas – estudei muito biologia, genética, física, me aprofundei no estudo das ciências para me preparar para depois fazer faculdade de medicina. Nesse ambiente, comecei a ir com mais frequência às missas dominicais, já independente, como jovem. No final de uma missa, fizeram um convite para um dia de formação para jovens. Eu falei: ‘Não me custa nada’. Me escrevi, foi um dia só de formação. Eu fui, e reacendeu o que eu já tinha antes, porém a chama estava apagada. Tomei gosto e comecei a participar do grupo de jovens.

VERBO – Em que igreja?
Mons. Aguinaldo – Na Igreja Nossa Senhora do Rosário em Embu [centro]. Ali comecei a participar, atuar e rapidamente já me tornei coordenador do grupo de jovens [ri], foi aflorando o espírito de liderança. E o pároco de lá na época, o padre Luiz Antônio de Oliveira, era admirado por todos, tinha uma pregação muito linda, cantava, dava muita atenção aos jovens, focava muito o seu trabalho nas vocações sacerdotais também. Eu me aproximei dele, me tornei amigo, tinha conversa com ele quase semanalmente, e passei a ter uma grande admiração por esse padre. Na infância, pelos padres redentoristas, na juventude, por ele.

VERBO – Era um padre diocesano?
Mons. Aguinaldo – Ele fez seminário no PIME [instituto missionário católico], tinha uma formação missionária, mas depois acabou se tornando diocesano, e ele tinha uma vibração, contagiava também, e gastava muito tempo dando atenção para os jovens, a quem ele via que havia um chamado a mais. Essa convivência me fez muito bem, fui me envolvendo cada vez mais na Pastoral da Juventude ali na paróquia, depois na Pastoral da Juventude no setor, como chamávamos a forania, e depois na região episcopal, que era Itapecerica da Serra, cujo bispo era dom Fernando José Penteado. E depois me envolvo na Pastoral da Juventude arquidiocesana, da Arquidiocese de São Paulo, e depois passei a ir aos encontros estaduais, nacionais… [ri] O engajamento cresceu e voltou a reacender a chama para a vocação sacerdotal. Trabalhava na coletoria de Embu, tinha feito concurso para a Secretaria da Fazenda, tinha passado. Quando chegou o último ano [do antigo segundo grau] era hora de seguir o que decidi. Mas estava tão engajado, tão motivado que, ao invés de direcionar a minha vida para medicina entrei na faculdade de filosofia, já como seminarista, com recomendação de dom Fernando, para ter a formação filosófica e depois teológica.

VERBO – O sr. nasceu em Taboão, é isso?
Mons. Aguinaldo – A bem da verdade, o exato lugar onde nasci é São Paulo, nasci aqui no Jardim Taboão [divisa com município]. O que hoje é o Jardim Taboão no passado era propriedade, era o sítio de meus avós maternos. Minha família morava no Embu. Sou o caçula de dez filhos, sou o décimo, e minha mãe deu à luz todos os filhos anteriores com o auxílio de um parteira aqui do Ferreira. Mas por eu ter sido uma gravidez tardia, ela foi orientada a ser mais cuidadosa, e planejou de eu nascer no Hospital das Clínicas em São Paulo. Quando começou o trabalho de parto, ela saiu de Embu, de condução [ônibus] ou de táxi, não sei, e ela e meu pai foram para o HC na expectativa do meu nascimento lá. Chegando lá, os médicos acharam que não estava na hora de eu nascer, e os mandaram voltar para casa, em Embu. Hoje, tudo parece perto, mas em 1962 sair lá de Itatuba até o Hospital das Clínicas significava uma viagem, um caminho longo, não tinha transporte facilitado. Mas, na volta, o trabalho de parto se agilizou. Dispensada do hospital, ela não via como voltar, parou na casa dos meus avós no Jardim Taboão e ali ela chamou a parteira que fez todos os partos anteriores. Nasci na casa dos meus avós maternos, aqui no Jardim Taboão, município de São Paulo. Porém, acredito que pela proximidade, meus pais me registraram no cartório de Taboão da Serra.

VERBO – Todos os irmãos são ainda vivos?
Mons. Aguinaldo – Dos dez, uma irmã faleceu, já há bastante tempo, até antes do falecimento dos meus pais, ela faleceu com 40 anos de idade.

VERBO – Algum religioso, padre ou freira, entre os irmãos?
Mons. Aguinaldo – Não. O único sacerdote, o único que trilhou a vocação religiosa, sacerdotal, foi somente eu.

VERBO – O sr. entrou no seminário quando, foi ordenado diácono e padre quando e onde?
Mons. Aguinaldo – Fui ordenado diácono no dia 14 de maio de 1988 na Paróquia São Judas Tadeu, que na época era a igreja principal, entre aspas a catedral da Região Episcopal Itapecerica. Mais dois colegas se ordenaram comigo. Fui ordenado sacerdote no dia 3 de dezembro de 1988 no ginásio de esportes de Embu. Eu era assessor regional da pastoral jovem, tinha relacionamento com os jovens [católicos] de toda essa região episcopal, de M’Bom Mirim [periferia da zona sul da capital], Embu-Guaçu, Itapecerica [desde a Cidade Jardim e o Morumbi até o outro extremo, em Juquitiba]. Como o trabalho ganhou uma amplitude muito grande, no dia da minha ordenação a maior presença foi dos jovens, que vieram de todas as localidades da nossa região episcopal, que hoje é a Diocese de Campo Limpo, o ginásio ficou repleto, tinha lá 5 mil pessoas. E se ordenou comigo um colega também.

VERBO – Quem?
Mons. Aguinaldo – João Carlos Pancionato. Foi muito bonito, na época quem fazia as ordenações da Arquidiocese de São Paulo era sempre dom Paulo Evaristo Arns, ele fazia questão. Mas naquele ano deu licença aos ordenandos para poder escolher, se queria o cardeal ou os bispos auxiliares [cada região da metrópole tinha um]. Como eu tinha uma relação muito afetuosa com dom Fernando José Penteado, eu o escolhi e ele me ordenou. Foi muito especial para mim.

VERBO – Ordenado padre, o sr. assumiu de imediato uma paróquia ou auxiliou em alguma igreja?
Mons. Aguinaldo – Minha primeira nomeação canônica como sacerdote foi para ser vigário paroquial da Paróquia Santa Terezinha de Taboão da Serra, eu vim para auxiliar o padre Thomaz [Raffainer], hoje monsenhor Thomaz.

VERBO – Em que dia e mês?
Mons. Aguinaldo – Iniciei meu trabalho em janeiro de 1989, eu o auxiliei por dez meses. Acredito que ele tinha planejado e esperado isso. Vim para cá pela vontade de Deus, mas por indicação, escolha do monsenhor Thomaz, ele sugeriu ao bispo dom Fernando a minha nomeação como vigário paroquial, e dez meses depois ele se despede. Eu e toda a paróquia ficamos todos sentidos, ele era um padre muito amado, estimado, e muito precioso. Foi uma surpresa, mas respeitamos o desejo dele.

VERBO – Quando o sr. se tornou o pároco?
Mons. Aguinaldo – Ele saiu em outubro, eu fiquei interinamente como administrador paroquial outubro, novembro, dezembro e janeiro. Aí já havia sido constituída a Diocese de Campo Limpo, e dom Emílio Pignoli me nomeou pároco aqui da Santa Terezinha em fevereiro de 1990.

VERBO – Em qual data?
Mons. Aguinaldo – 3 de fevereiro.

VERBO – O sr. sorriu…
Mons. Aguinaldo – Ele quis coincidir a nomeação com o dia do meu aniversário.

VERBO – Pela atuação muito ativa na Pastoral da Juventude, que historicamente sempre teve preocupação social com a realidade dos próprios jovens, o sr. foi um padre da linha da Teologia da Libertação?
Mons. Aguinaldo – Com certeza! Minha formação teológica foi totalmente na Teologia da Liberatação, onde estudei, a Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, que hoje faz parte da PUC, era muito focada na formação na Teologia da Libertação. Fomos muito formados politicamente, sociologicamente, com grande estudo na antropologia, também aprendemos a fazer a análise sociológica da sociedade, das organizações, inclusive, da própria Bíblia, a nossa leitura da Bíblia tinha sempre uma análise sociológica.

VERBO – Como foi essa fase?
Mons. Aguinaldo – Ah, foi empolgante, vibrante! [ri] Como tudo na minha vida. Eu ia começar a faculdade de filosofia, mas eu queria trabalhar, me autossustentar, pagar as minhas despesas, me custear, e queria continuar envolvido na pastoral [a serviço numa igreja ou em favor de segmento da população]. Nos estudos rumo ao sacerdócio, eu pedi ao bispo dom Fernando que nessa primeira fase da filosofia me desse licença de não ter que estar interno em um seminário. Ele confiou o meu acompanhamento ao pároco de Embu, que me acompanhou diariamente, semanalmente, e com planejamento de trabalho pastoral. Durante a minha formação nos três anos de filosofia, eu acordava às 4 horas da manhã, às 4 e meia estava no ponto de ônibus, pegava a linha de Embu até Pinheiros, levava uma hora e meia de trânsito. De Pinheiros, pegava outro ônibus, até o Ipiranga, mais uma hora de ônibus… [ri]. Eram duas horas e meia para ir, duas horas e meia para voltar, enquanto que se estivesse [morando] no seminário, teria condução – uma Kombi ou transporte coletivo – do seminário, teria mais comodidade e conforto. Mas nunca reclamei, foi uma escolha minha. Também por meus pais serem idosos, eu queria poder desfrutar um pouco mais da convivência com eles, achava que ia ser muito bom para a minha vida, e foi. Eu tinha uma relação muito fraterna, amorosa, me fez muito bem esse “plus” que ganhei, que agradeço a dom Fernando por ter permitido esses três anos a mais de convivência com meu pai e minha mãe, isso me ajuda muito até os dias de hoje. Outro aspecto que me ajudou muito, me deu até um diferencial para minha vida sacerdotal foi o engajamento pastoral. Antes mesmo antes de estudar Teologia da Libertação, o meu foco já eram os pobres, já era os sofridos, isso me sensibilizava e me motivava muito para ser padre. Além da pastoral jovem focada mais nos pobres, eu era muito engajado naquilo que chamávamos na época de pastoral das favelas. Eu estudava de manhã, à tarde trabalhava, e gastava as noites em visita às favelas para ajudar aquelas comunidades na regularização do solo, que tivessem concessão real de uso, um documento que pudesse dar segurança às famílias. Anos depois, lá no Embu, eles conseguiram, tive a notícia depois que a luta que semeamos se tornou realidade. Era uma luta pela qual vestíamos a camisa, éramos bastante engajados. Na época, estava também o [hoje] monsenhor João Batista [de Carvalho], que era também seminarista – começou os estudos um ano depois de mim. Estavam lá ao nosso lado a irmã Lúcia, o padre Eduardo [McGettrick], o padre Jaime [Crowe], trabalhávamos muito em equipe em favor dos mais pobres. No fim de semana, eu assumi uma comunidade, fazia os trabalhos litúrgicos, celebrações, grupo de oração… Não era bem grupo de oração, mais Via-Sacra, Novena de Natal, tínhamos um trabalho religioso também. Isso me motivava muito, às vezes de madrugada, meia-noite, uma hora da manhã, noites de chuva, o telefone tocava, eu saía de casa para ajudar, socorrer vítimas de desabamentos nas favelas, passava a noite fazendo isso. Voltava para casa, tomava um banho, ia para faculdade sem dormir [sorri]. Isso me fez perceber que era tempo pleno, não adquiri uma visão funcional da Igreja, de trabalho 8 horas por dia, era dedicação total, isso me acompanhou. Quando chegou a época de ir para a faculdade de teologia, até quis que o bispo continuasse com a licença, mas o bispo disse: “Não, agora você tem que dar uma freadinha, para focar nos estudos, ganhar disciplina” [ri]. Mas também aceitei na obediência e gostei desses quatro anos [interno] no seminário.

VERBO – Em quais comunidades carentes atuou no trabalho de pastoral das favelas?
Mons. Aguinaldo – Era em todos os bairros do município de Embu. Todos.

VERBO – Pode citar alguns?
Mons. Aguinaldo – Santa Emília, Santa Tereza, Pinheirinho, Santa Clara, Jardim Sílvia, Santa Luzia, onde tinha pobre, gente em favela, estávamos lá, e também em situações difíceis [repressão]. Isso me deu muita coragem, na época era enorme o desemprego, tinha muito movimento dos desempregados, e estávamos lá.

VERBO – O sr. participou de manifestações, protestos, bloqueios de estradas…
Mons. Aguinaldo – Participei de tudo isso… [ri]. Participei de acampamento de desempregados, mais de uma vez, lá no parque Ibirapuera, em frente à Assembleia Legislativa de São Paulo. Experimentamos a força e a energia da tropa de choque da Polícia Militar com muitas cacetadas e socos nas costas, mas estávamos lá [ri]. Não era uma necessidade nossa, mas assumíamos como nossa. Quando comecei a faculdade de teologia, fui com tudo isso, e quando encontro o ambiente da Teologia da Libertação, para mim foi ótimo, já estava vivendo na prática, e na pele, às vezes sob pancadas, esse ambiente. Depois de quatro anos de formação e quando inicio meu sacerdócio, venho com toda essa energia da Teologia da Libertação.

VERBO – E o que acha da Teologia da Libertação hoje?
Mons. Aguinaldo – Para responder melhor a essa pergunta, vou contar uma história. Quando inicio o meu trabalho sacerdotal, o meu modo de falar, de pregar, o meu discurso era da Teologia da Libertação, bastante acentuado no social, muito politizado. Lembro que aqui na Igreja Santa Terezinha, em uma missa das 10 horas da manhã, fiz uma homilia muito politizada, coincidia que, na Alemanha, estava caindo o Muro de Berlim [novembro de 1989, quando já era administrador paroquial, após a saída do padre Thomaz]. No meio da homilia, uma senhora levanta o braço, fica de pé e grita do meio do povo: “O Muro de Berlim está caindo na Alemanha, e o sr. está querendo construir aqui em Taboão da Serra!” [ri] Aquilo para mim foi um questionamento muito grande. Eu não entendi direito, e puxei uma Ave-Maria, rezei, não sabia mais o que falar. Aquilo ficou gravado na minha mente, mas continuei [na mesma linha]. Havia o grupo de oração da Renovação Carismática, e nós que éramos formados pela Teologia da Libertação tínhamos rejeição total, achava até que eles eram alienados, eram alienantes, que eram um mal na vida da Igreja, e que devíamos impedir ou, pelo menos, dificultar ao máximo a existência, a permanência deles nas nossas comunidades. Esse era o conceito, o pano de fundo que eu tinha também, nossa perspectiva era só de transformação da sociedade, de mudança social.
O grupo de oração existia aqui na clandestinidade, as pessoas se reuniam nas casas, apartamentos, não encontravam espaço na vida da paróquia para viver na transparência, nem tinham na igreja um dia e horário de reunião. Quando me tornei pároco aqui, o grupo de oração imaginou: “É a nossa chance de conquistar um espaço”. As pessoas me procuraram com a intenção de conquistar um espaço dentro da igreja que não tinham. Embora eu tivesse muito preconceito, muita resistência, no meu íntimo era contra, vieram me pedir, duas pessoas que hoje são falecidas, sr. Giuseppe e dona Fanny. Falei: “Não gosto, não acho certo”. Pensei: “É alienação”. Mas tocou no meu coração. “Por outro lado, não sou dono da igreja para impedir um grupo de participar”. E eu permiti. Em respeito aos cabelinhos brancos que eles já tinham, eu permiti que pudessem se reunir na igreja. Eles me perguntaram: “Que dia pode ser, padre?” Eu disse: “Às segundas-feiras”. Você pode perguntar: “Mas por que na segunda-feira?” Era o dia da minha folga, eu nunca ia estar por perto [dá gargalhada]. Assim, eu não ia ver, não ia ouvir, não ia ser obrigado a me envolver. Eles tinham a minha licença para poder usar o espaço da paróquia. Com isso, eles cresceram, ao vir para o meio da igreja. E, graças a Deus, passaram a rezar muito por mim, passaram a adquirir alguns calos nos joelhos rezando por mim, e rezaram muito mesmo.

VERBO – Em que intenção?
Mons. Aguinaldo – Pela minha conversão [ri]. Eu era formado na Teologia da Libertação, permiti somente por não me sentir dono da igreja, não ter o direito de tolher um grupo que percebia era de pessoas honestas, de respeito na paróquia e na cidade. Não tanto pelo que queriam fazer, eles me conquistaram pela idoneidade. Eles começaram a rezar para que algo acontecesse na minha vida, na verdade, rezavam para que eu aceitasse melhor a terceira pessoa da Santíssima Trindade, para que eu me abrisse ao Espírito Santo de Deus. Rezaram tanto que isso aconteceu. Como sacerdote, fiz a experiência, aceitei o Espírito Santo e foi uma grande experiência do amor de Deus na minha vida. Foi um crescimento na minha vida, hoje posso dizer que a Teologia da Libertação para mim foi a tese, a abertura ao Espírito Santo, a antítese, e com a tese e a antítese fiz a síntese, ou seja, consegui somar tudo o que aprendi na Teologia da Libertação e tudo que passei a aceitar, compreender e valorizar da espiritualidade a partir do Espírito Santo, e a olhar a Renovação Carismática como um grande serviço para a Igreja, para a vida das pessoas. Eu não fiquei só um sacerdote na linha espiritual, carismática, mas se hoje se olhar o meu trabalho pastoral, tenho na paróquia um trabalho enorme de evangelização espiritual, mas também, em conjunto, um trabalho enorme social. A síntese que fiz me permitiu pregar para a vida no cotidiano, colocar Deus no dia a dia das pessoas. Só tenho a agradecer por esses dois momentos da minha vida, e ter um ministério mais amplo, mais completo, e não unilateral.

VERBO – Enquanto fazia uma pregação politizada, o sr. tinha a atenção dos fiéis, o sr. era ouvido?
Mons. Aguinaldo – Não, eu não via crescimento, pelo contrário, via diminuição [de fiéis]. Às vezes, até segurava, por algo que é da minha pessoa, meu modo de ser é afetuoso, sempre fui de tratar com carinho, ternura, até por ser caçula. Esse lado conquistava, mas o discurso não agregava, não congregava novas pessoas. Sinto que a partir do momento em que me abri a essa nova dimensão espiritual, e ao longo do tempo fui fazendo essa síntese [com a formação de seminarista na Teologia da Libertação], passei a dar uma resposta mais imediata àquilo que as pessoas procuravam e procuram na Igreja, sem esquecer a dimensão social e política.

VERBO – Nos primeiros dez anos de sacerdócio, aproximadamente, o sr. tinha barba e, em geral, usava vestes consideradas mais simples, túnica e estola, e hoje usa casula, tida como mais sofisticada. Era decorrente da fase anterior?
Mons. Aguinaldo – Para mim, até hoje isso não é o mais importante. Eu sempre quero estar em obediência e em comunhão com a Igreja, por exemplo, eu nunca irei celebrar uma missa sem paramento, mesmo quando era mais direcionado pela Teologia da Libertação, nunca celebrei sem túnica e sem estola. Quando fui ordenado, ganhei uma casula sacerdotal, que tenho guardada até hoje, usei na minha ordenação e na minha primeira missa, mas normalmente celebrava só de túnica e estola.

VERBO – E por quê?
Mons. Aguinaldo – Para mim, não existia casula na minha cabeça [ri], meu foco era mais político, social, não tinha tanto aprofundamento na espiritualidade e na liturgia. Vim valorizar ‘a-nos’ [!] depois. Nessa época, tinha 26 anos, era bastante jovem, eu andava de calça jeans, camisa polo, sandália franciscana e de barba. Mas com o tempo, com o tempo, a gente vai descobrindo outras coisas, passa a perceber e descobrir toda a riqueza e toda a beleza dos símbolos litúrgicos. E o dia mais importante é o domingo, o dia do Senhor, cada domingo é uma solenidade da ressurreição de Jesus, quando nós, católicos, devemos viver como se fosse o dia da Páscoa, é a Páscoa do Senhor, é festa, alegria, beleza. Fui estudando, fazendo muitos cursos, aprendendo, sempre fui autodidata, sempre estudo muito, e dando cursos sobre liturgia. Hoje, em missas solenes, além da estola, que continuo usando, mas por baixo, eu coloco uma casula. Não é questão de vaidade, luxo, de querer se aparecer, é simplesmente para transmitir para a comunidade a mensagem da solenidade, de valorizar aquela solenidade pela grandiosidade. Quando celebro a missa sozinho e com poucas pessoas, em geral, uso somente túnica e estola. Mas hoje tenho uma coleção de casulas. Me pergunte se gastei algum dinheiro para comprar uma delas. Nenhum.  Continuamente ganho, é no meu aniversário natalício, de ordenação, cheguei a ganhar numa missa só aproximadamente dez casulas, que eu vou dando de presente para outros padres, com muita frequência.

VERBO – Mas o sr. passou a se preocupar com a imagem?
Mons. Aguinaldo – Isso entrou com o uso da casula, que é natural na Igreja. Penso que eu demorei muito a ir para a Europa, não lembro ao certo quando fui conhecer o Vaticano, Terra Santa, talvez dez anos depois [de ordenado], e em geral quando a pessoa se torna padre logo já vai. Eu não tinha aspiração. Acredito que a partir do momento em que passei a ter amplitude internacional também ampliou mais minha perspectiva de Igreja, de mundo, uma globalidade de visão.  Como vivemos num país tropical, seria muito mais confortável não usar em dia de calor, é sempre um peso a mais, nos desidrata, mas eu penso no embelezamento e na valorização da liturgia.

VERBO – E a barba?
Mons. Aguinaldo – A barba foi naquele momento [fase da Teologia da Libertação], mas depois me veio uma reflexão, e fruto de estudo também, de que seu eu tirasse a barba mostraria mais meu rosto para a comunidade. Mostrando mais meu rosto, iria suscitar mais confiança e credibilidade na comunidade, sem nenhum bloqueio, e falo isso não querendo julgar e sem dizer nada contrário a quem usa barba. Se for para fazer o meu trabalho crescer… Gostava muito da minha barba, mas tirei para conquistar mais a comunidade.

VERBO – Desde 2005 o sr. é monsenhor…
Mons. Aguinaldo – Vamos ver aqui [vira-se para parede atrás de si], aqui está a bula papal…

VERBO – Tem data de dezembro de 2004…
Mons. Aguinaldo – É, a nomeação foi em dezembro de 2004, mas foi tornada pública em fevereiro de 2005.

VERBO – O que mudou?
Mons. Aguinaldo – O que mudou? Aumentou a minha responsabilidade. Quando se acenou de eu ter o título de monsenhor, pedi para que não houvesse essa possibilidade, estava tão acostumado a ser “padre Aguinaldo”, já era minha marca, e era jovem também. Porém, eu era vigário-geral [estreito colaborador do bispo, administrador da Cúria, sede da diocese], quando o sacerdote recebe essa nomeação automaticamente pode ser tratado como monsenhor, por direito diocesano [local], mas nunca usei desse direito e nunca fiz com que os outros usassem e me tratassem assim. Agora, acabou sua nomeação de vigário-geral, no dia seguinte não pode ser tratado como monsenhor, volta a ser tratado como padre. Nessa condição, é um título provisório que está em função do cargo que ocupa. Mas falei: “Não, não precisa, quero continuar da forma que estou, quero é servir à Igreja, ao bispo, quero dar o melhor de mim”. Também para ser vigário-geral, eu não queria, queria era me dedicar como pároco, cuidar da minha paróquia, e pensei que ele [bispo] tinha aceitado meu “não”. Até que em um dia, dom Emílio se autoconvidou para vir para presidir a missa na minha data natalícia, em 3 de fevereiro. Falei: “Quer vir, para mim, é uma honra o bispo vir celebrar no dia do meu aniversário”. Mal sabia eu que ele trazia uma bagagem, e no final da missa pediu ao padre [Luís] Parede, o chanceler, que lesse uma mensagem. Na verdade, era uma homenagem ao meu aniversário: foi lido o decreto que nomeava vigário-geral da Diocese de Campo Limpo. Na frente de todo o povo, da minha comunidade, como diria não ao meu bispo? Eu daria um mau exemplo de disponibilidade e obediência. Nessa circunstância, respondi “Eis-me aqui”. Em consequência, pelo meu trabalho, dedicação, fui consultado para ser monsenhor, mas disse que não queria, para não despertar outros sentimentos.

VERBO – Quais?
Mons. Aguinaldo – Negativos. Possíveis invejas, ciúmes, eu não queria que isso aflorasse, não ajuda em nada, só atrapalha. Queria fazer um trabalho, não colecionar títulos. Mas, da mesma forma, em janeiro, eu estava viajando, recebo recado de que o bispo queria falar comigo com urgência. Eu ligo para dom Emílio, e ele me fala todo feliz, e até emocionado: “Padre Aguinaldo, acabei de receber a bula papal, a partir de hoje você é monsenhor”. Falo: “Mas o que é isso…?” E ele me diz: “Você tem que providenciar, rapidinho, uma batina própria de monsenhor, que é muito semelhante a de bispo, e no dia do seu aniversário vou lá, de novo, na sua paróquia para apresentar você para a comunidade como monsenhor”. Voltei de viagem, rapidamente obedeci ao que me pediu, mandei fazer a toque de caixa uma batina de monsenhor – também ganhei de presente, não comprei –, e no dia 3 de fevereiro me apresentou essa bula papal [que está na parede] como monsenhor Aguinaldo. Mas eu ainda continuava me apresentando como padre, não tinha assimilado esse novo título, é uma mudança grande. Em um dia, eu ligo para dom Emílio, e ele diz: “Quem fala?” [Respondo] “Aqui é o padre Aguinaldo”. Ele fala: “Padre Aguinaldo não, é monsenhor Aguinaldo, nunca mais fale que é o padre Aguinaldo, você é monsenhor!” [ri] Em obediência, a partir daquele dia passei a me apresentar como monsenhor Aguinaldo, aceitei a bula de decreto do papa João Paulo 2º, que me fez monsenhor na condição de “Prelado de Honra de Sua Santidade”, um dos três títulos dos monsenhores. Porém, quando recebi o título, não tinha suficiente, teria que ter 45 ou 50 anos – tinha 42 para 43 –, e teria que ter passado cinco anos como “Capelão de Sua Santidade” [nível inferior]. O papa pulou todos esses degraus e já me nomeou “prelado”.

VERBO – Uma deferência.
Mons. Aguinaldo – Uma deferência, talvez pelo fato de já ser vigário-geral ou pelo currículo apresentado. Entendi que esse título não era só para mim, era uma deferência à Diocese de Campo Limpo, de poder ter um prelado de honra – sou eu, mas poderia ser outro –, e também para a cidade de Taboão da Serra. Não é só meu, é nosso.

VERBO – Uma deferência que abre perspectiva para o episcopado?
Mons. Aguinaldo – Qualquer sacerdote, uma vez sacerdote, pode ser bispo. Mas eu, sinceramente, quero ser um grande colaborador dos bispos [que governarem a diocese], Deus me capacitou, aprendi a assessorar, ajudar, dar minha colaboração na gestão, na administração, na vida da diocese. Peço a Deus que eu possa ser um bom servo e colaborador da ordem episcopal, se for vontade daquele que for meu bispo que eu ajude, possa oferecer meu trabalho, dedicação, tempo, farei com muita fidelidade. Mas, de coração, não aspiro, estou falando até de público. Deus dê essa oportunidade a outros sacerdotes.

comentários

  • Teologia da Libertação é POLITIZAÇÃO ECLESIÁSTICA !!! – PORTANTO, DESVIO DE CONDUTA SACERDOTAL !!! – O FINAL DOS TEMPOS, TROUXE ESSA DESGRAÇA PARA A IGREJA CATÓLICA !!!

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