ALCEU LIMA
Especial para o VERBO ONLINE, em Embu das Artes
A Polícia Federal prendeu nesta quinta-feira (30) o médico apontado como chefe da organização criminosa acusada do desvio de recursos públicos da saúde de Embu das Artes, Carlos Eduardo Bernardi, e o “sócio” no esquema, o também médico Fabio Fortunato Nascimento Gama. Eles encabeçam a lista de 27 pessoas indiciadas pela fraude da ordem de R$ 40 milhões a partir de uma empresa de fachada, a AMG (Associação Metropolitana de Gestão).
Bernardi, conhecido como “Dr. Cadu”, e Gama eram considerados foragidos desde a deflagração, em novembro do ano passado, da segunda fase da “Operação Contágio” – contra desvios de verba federal para combate à covid-19. Segundo o VERBO apurou, os médicos foram presos após um funcionário do prédio onde estavam desconfiar dos dois, que usariam nomes falsos. Eles foram conduzidos imediatamente à sede da PF em São Paulo, na zona oeste.
A PF identificou que a OS (organização social) AMG não tinha capacidade técnica para gerir prontos-socorros e subcontratava várias empresas para executar os procedimentos, algumas constituídas poucos meses antes da assinatura dos contratos e também sem experiência na área – “laranjas”. O esquema consistia no superfaturamento de bens e serviços, como medicamentos e plantões médicos, além de atendimentos simulados, como de assessoria.
Os integrantes da organização levavam uma vida de luxo com o dinheiro desviado da saúde, com mansão em refúgio paradisíaco, no litoral norte, além de outros imóveis em condomínios fechados de alto padrão na Grande São Paulo, carros esportivos avaliados em mais de R$ 2 milhões, armas e muito dinheiro escondido, R$ 700 mil, boa parte achada em um escritório bunker da própria OS – na segunda diligência, os agentes apreenderam uma lancha de luxo.
O recurso subtraído pagou até reforma na residência de um casal de médicos, avaliada em mais de R$ 5 milhões. Um guarda municipal de Cotia foi preso, após sacar de caixas eletrônicos R$ 18 milhões como propina. Em um centro comercial na Grande Viana (Cotia), após um membro do esquema chegar à sala usada pela AMG com uma mala cheia de dinheiro, um homem deixou o local com um pacote de papel, a parte dele do montante desviado, segundo a PF.
Constituída em 2004 como entidade de assistência social, a AMG mudou de ramo apenas em 2018, para saúde, mas com documentos fraudados com os quais fechou contratos com várias prefeituras. A OS tinha como presidente um jovem de então 28 anos recém-formado – veterinário -, Fabio Cardoso Omito, mas era controlada por “Dr. Cadu” e Gama. De abril de 2019 a abril de 2021, a AMG recebeu do governo Ney Santos (Republicanos) R$ 137.319.835,27.
Uma das empresas subcontratadas foi a Slim Serviços de Saúde Eireli. Segundo a PF, a AMG repassou à empresa em apenas um ano (abril de 2019 a julho de 2020) exatos R$ 51.901.467,72. Embora declarasse ter como atividade atendimento em prontos-socorros, a Slim tinha como proprietário um auxiliar de escritório com salário de pouco mais de R$ 1,3 mil. Logo após a OS assinar contrato com a prefeitura de Embu, a empresa mudou de mãos.
O novo dono passou a ser um homem com domicílio em prédio modesto no centro de São Paulo e remuneração de R$ 1.348,60. Mas, entre junho de 2019 e julho de 2020, recebeu da empresa R$ 29.720,00. Embolsou ainda com R$ 3.936 em 11 transferências de Carlos Eduardo. Ele era porteiro do condomínio do médico. Segundo a PF, ele relatou que “Dr. Cadu” pediu “ajuda” para compor o quadro societário da Slim, “para camuflar os reais proprietários”.
“Ela [a OS AMG] não possuía capacidade para gerir os contratos. Contratou oito empresas de fachada, integradas por pessoas que não têm qualificação técnica nem renda compatível com a função, comprovadamente ‘laranjas’, em imóveis desocupados ou sem estrutura alguma para prestar serviços para recebimento de milhões de reais. Em uma delas, um médico acabou por colocar o seu porteiro como presidente”, disse o delegado da PF André Barbieri.
Só a Slim repassou R$ 1,78 milhão ao “Dr. Cadu” e R$ 2,07 milhões para Gama. Ela ficava em uma pequena sala em cima de uma serralheria – a 100 metros da prefeitura de Embu. O VERBO não localizou a defesa de ambos. Com a prisão do “chefe da máfia das ONGs da saúde” e do sócio, a expectativa é chegar ao “núcleo político” do grupo. “Esse dinheiro [desviado] muito provavelmente tinha como destino final o pagamento de agentes públicos”, disse Barbieri.