ADILSON OLIVEIRA
Especial para o VERBO ONLINE, em Taboão da Serra
O técnico em informática Anderson de Melo, que perdeu no último dia 1º a mulher e a filha após parto na Maternidade Antena, em Taboão da Serra, diz que quer que seja “investigado tudo” sobre o caso e que o médico que denuncia como responsável pela morte da alfaiate Adriana Maria Andrade e do bebê seja processado para “nenhuma outra família ter o mesmo sofrimento”. Ele exige indenização aos filhos da mãe que entrou na unidade para dar à luz e saiu sem vida.
“Eu quero que esse médico seja punido, que seja investigado tudo. Ela não foi a primeira a morrer ali por negligência médica, mas que seja a última, nenhuma outra família passe o que eu e os filhos dela estão passando”, diz Anderson, 28. Segundo ele, o obstetra Rogério Romano Cançado, após fracassar o parto normal, empurrou a cabeça e quebrou a clavícula do feto para voltar ao útero e só aí fazer cesárea. O bebê morreu em minutos, de manhã, e a mãe, à tarde.
“O laudo do médico diz que minha filha teve morte normal, mas o laudo do IML está como asfixia, como foi enforcada”, diz o companheiro de Adriana, revoltado. Na “Guia de encaminhamento de cadáver” que assinou, a que o VERBO teve acesso, Cançado escreveu na lacuna de “causa provável do óbito” a palavra “anoxia” (ausência de oxigênio), para indicar morte natural. Ele admite, porém, ter sido “realizado parto cesareana para auxiliar no desprendimento do feto”, relata.
Familiares foram fazer uma foto da recém-nascida, já que só pensavam na alta de Adriana e que fosse confortada. “Queríamos mostrar para Adriana, estávamos esperando que se recuperasse, mas como não ia poder assistir o enterro, a foto era para ela ver a filha”, conta a dona de casa Edna dos Anjos, 50, mãe de Anderson. Eles foram impedidos duas vezes e passaram a desconfiar. “Eu disse para a enfermeira que barrou: ‘Nós somos pobres, burros não somos'”, diz.
O pai de Anderson, o vigilante Antonio de Melo, 51, viu a criança já sem vida. “Estava sem roupa, a enfermeira me mostrou. Peguei na mãozinha. Vi o corpo todo branquinho e só a cabecinha e as unhas pretas, e falei: ‘Mataram minha neta! Quero tirar foto que isso foi assassinato!'”, conta. “Não existe médico, não tem médico nenhum que fale que isso é normal. Não, não tinha que acontecer a morte da minha nora e da minha neta, e de ser humano nenhum”, revolta-se.
Anderson foi informado sobre o óbito da filha, às 7h05, duas horas depois de ocorrido, pelo médico do parto, que disse ter feito “todos os procedimentos” para salvar o bebê, de 5,525 kg e 59 cm, sem sucesso. Ele, porém, só viu o corpo da menina após quase três horas. “Ela viveu por alguns minutos, mas não cheguei a ver minha filha viva. Eu a perdi ali, não perdi antes”, diz ele, em misto de indignação e alívio por terem, como casal, feito acompanhamento pré-natal correto.
PEREGRINAÇÃO
Como revelou o VERBO, após assistir Adriana nas devidas seis consultas de pré-natal, o médico Hiroyuki Hashimoto, da UBS Jardim Helena, no Jardim Maria Rosa, fez no sétimo atendimento guia com data de 20 de agosto à maternidade em que diz “solicito agendamento cirúrgico”. Adriana estava bem, o ginecologista não alertou para nenhuma intercorrência no quadro clínico da paciente, só citou ter tido seis gestações e indicou a cesariana por conta do tamanho do feto.
Com a guia, Adriana foi ainda na tarde do dia 20 ao Antena. Segundo Anderson, a médica Maria Dolores Jacinto, obstetra na maternidade, a atendeu e disse que o parto não seria cesariana e que o médico do pré-natal da paciente estava “louco”. “Com a carta do dr. Hiro, ela falou com a doutora Dolores que tinha que fazer cesariana. A minha esposa me relatou que a dra. Dolores falou o seguinte: ‘Você tem que ter parto normal, esse japonês está louco’”, relata.
Segundo Anderson, no dia 28, o casal voltou ao Antena, às 15h, e só saiu, às 22h, após os médicos falarem que o bebê não estava encaixado e que Adriana não poderia aguardar ali, e orientaram a ir ao Hospital Geral do Pirajuçara. Na manhã do dia seguinte, médico do HGP disse que o feto estava na posição e o útero, com três dedos de dilatação, e que ela, “se sentisse dor, voltasse ao médico, e podia ter o filho no Antena”. “Só teve dor na madrugada da segunda”, conta.
Ao chegar ao Antena com a mulher, Anderson logo ouviu de enfermeiras que Adriana iria para o HGP, mas não foi. Só ao comunicar a morte do bebê, Cançado disse ao companheiro da parturiente que não foi transferida “porque entrou em trabalho de parto rápido”, alegou. Mas Adriana chegou à maternidade duas horas antes do parto, às 4h. O médico disse ainda àquela altura que Adriana estava consciente. “Não estava coisa nenhuma, estava entubada”, diz Anderson.
O jovem diz que não quer que outras famílias sejam vítimas de negligência médica na maternidade – sob administração repassada pela prefeitura à SPDM – por conta de “relatos” de que na semana anterior uma gestante de 25 anos também morreu na unidade após parto. O bebê sobreviveu. “Soube que o marido ficou transtornado, bateu num segurança. Sei o que ele está sentindo, mas estou sentindo em dobro, perdi também minha filha”, diz Anderson.
JUSTIÇA
Adriana tinha seis filhos – de 20, 18, 15, 13, 8 e 4 anos -, mas seria a primeira filha do casal. Chamaria Manuelly Ananda. O primeiro nome foi escolhido pela mãe de Anderson, mas a escrita – “lly” – era como Adriana queria. Funcionária de loja de roupa social masculina, trabalhou até os 7 meses de gestação, “com barrigão”, lembra Edna. “Ela preparou roupinha do bebê, detalhou fraldas com cortes de costura, fez muitas peças só pensando na nossa filha”, diz Anderson.
O casal tinha uma vida de sacrifícios, mas com muitos projetos. “Além de criar a nossa filha, tínhamos plano de montar a oficina de costura dela, terminar minha faculdade com ela ao meu lado – agora, quando concluir, vou dedicar a ela. Comprar nossa casinha [própria], nosso carro, ter uma vida a dois. Ela falava ‘tudo vai dar certo para a gente’, As palavras dela agora me dão força”, diz ele. No dia seguinte ao da morte dela, completariam um ano e um mês juntos.
Anderson quer agora punição ao médico que fez o parto e reparação para amparar os jovens e crianças de Adriana. “Eu quero que tenha justiça, sei que não vai amenizar a dor, não vai trazer ela de volta, mas pelo menos vai confortar um pouco os filhos dela, é o que mais me preocupa. [O médico] Seja processado, que haja indenização e que o dinheiro seja para os filhos ter a vida deles, sabendo que a mãe foi embora, mas não os deixou desamparados”, fala.