Desde o ano passado, templos de religiões de matriz africana em Taboão da Serra têm sido alvo de ataques e intolerância religiosa. Ao menos três entidades do município sofreram invasões, pichações e ofensas. Relatos de mães de santo e outros membros das instituições hostilizadas demonstram como a discriminação por conta da escolha religiosa de pessoas cresce a cada dia, enquanto a responsabilização dos autores dos crimes contra crença parece cada vez mais remota.
A mãe de santo Geisa de Oliveira, umbandista, que possui um templo no mesmo lugar que reside, no Parque Pinheiros, conta que “há muitos anos” sofre com a intolerância de crença no bairro. “A gente que é babalorixá sempre sofre preconceito religioso. Algumas pessoas acham que a gente está praticando maldade, só que precisa conhecer o trabalho e ver que a umbanda é amor, é paz, é caridade. Não tem nada a ver com força do mal”, diz. Ela já correu risco de vida.
“Eu não posso colocar nada de firmamento no meu muro, no meu portão, que o pessoal [vizinhos] quebra, joga fora. Eu tinha uma imagem da Nega Nagô no muro e me roubaram. Há seis meses, por exemplo, eu estava no horário do meu ritual e jogaram uma bomba no meu quintal”, relata mãe Geisa, consternada. “Isso dentro de mim causa muita tristeza, nos tempos em que nós estamos, no século 21, ainda tem pessoas com preconceito com nossa religião”, desabafa.
O templo Ventos de Oyá, também no Parque Pinheiros, foi destruído no início do mês passado. A casa foi invadida pelo telhado e vandalizada, sem registro de roubo, em sinal de intolerância dos invasores. Até alimentos foram abertos e jogados no chão. “As câmeras foram desligadas e não pegou nada. Pelas câmeras do vizinho, deu para ver dois homens bem de longe indo embora. A polícia não encontrou os culpados ainda”, lamenta mãe Daniella, responsável pelo local.
Em novembro do ano passado, na Vila Sônia (região do Jardim Helena), o templo Estrela de Oxalá, de umbanda, foi pichado com a frase “Exu lixo”. No Instagram, a entidade manifestou o sentimento dos membros e o que representa sua crença. “Hoje, ao chegarmos em nosso templo, nos deparamos com uma triste marca de intolerância: uma pichação em nossa fachada. Infelizmente, ainda há falta de respeito e entendimento sobre o que cada crença representa”, disse.
“Queremos lembrar que Exu é caminho, é vida, é respeito ao próximo. Nossa fé é baseada no amor, na paz e na união. Intolerância religiosa não tem lugar em nossa sociedade. Vamos juntos fortalecer o respeito e a convivência pacífica entre todas as crenças”, acrescentou a entidade, em nota. “Independente do credo, raça, opção sexual, as pessoas têm que respeitar. Cada um tem seu credo e o importante é fazer o bem uns aos outros”, ensina o dirigente Diego Odakura.
Para Diego, a indignação diante da situação de intolerância é grande. “Como as pessoas se submetem a determinar ou julgar os outros por algo que acreditam que é o certo? As pessoas estão acostumadas com aquilo que para elas é certo e acham que o restante é errado. Isso é uma frustração”, declara. Segundo o Censo 2022, os seguidores das religiões afro-brasileiras (umbanda e candomblé) em Taboão da Serra são 2,24% da população – o dobro no índice do país, que é de 1%.
A vereadora Najara Costa (PCdoB) denuncia a intolerância religiosa em Taboão. “Nosso mandato recebeu a notícia do vandalismo e, porque não dizer, racismo religioso que ocorreu no terreiro localizado no Parque Pinheiros. Criminosos quebraram tudo, vandalizaram até alimentos”, discursou na sessão da Câmara no dia 13 sobre o terreiro de mãe Daniella. “A manifestação religiosa é um direito de cada cidadão”, falou, ao repudiar ataque ainda a um terreiro na Vila Iasi.
“Em pleno século 21, ainda enfrentamos a tentativa de silenciamento das nossas tradições, nossas crenças e nossa ancestralidade”, diz mãe Daniella. “Mas isso só nos dá força para seguir. Não iremos parar. Nenhuma violência será capaz de apagar a fé que nos move, a força dos nossos ancestrais ou a luz dos orixás que nos guiam. Seguiremos em pé, cantando, rezando e zelando pelos nossos e fortalecendo nossa comunidade com ainda mais amor e coragem”, afirma.