ALCEU LIMA
Especial para o VERBO ONLINE, em Embu das Artes
O prefeito Ney Santos (Republicanos) divulgou no dia 16 que entrou na Justiça contra a taxa de lixo, ao alegar que uma lei federal (14.026/20) obriga os municípios a cobrar. Moradores de Embu das Artes se dizem acostumados com o marketing falacioso do prefeito, mas falam que teria ido longe demais ao ver o anúncio como um “deboche”. Ney criou a taxa de lixo em Embu ao “empurrar” decreto e ainda impor uma lei para fazer a população pagar.
Ney estaria apostando no esquecimento da população, mas a investida está viva na memória dos moradores, inclusive idosos, que tiveram que fazer manifestações, tomar a Câmara dos Vereadores e realizar reuniões para derrubar a taxa de lixo. Ele criou o tributo em 7 de julho em 2017, “na calada da noite”, por decreto, sem audiência pública e em pleno recesso da Câmara. O valor era R$ 174,35, com primeira parcela a vencer já no mês seguinte.
No dia 30 daquele mês, centenas de moradores protestaram em frente à prefeitura contra a taxa, com cartazes, nariz de palhaço, sacos de lixo e também carnês. “O decreto foi feito dia 7 de julho, a informação no site da prefeitura foi dia 19 de julho. A primeira parcela já é dia 20 de agosto. Gente que não acessa sites e redes sociais só ficou sabendo quando chegou o carnê em casa. A revolta é total”, disse a então vereadora Rosângela Santos (PT).
Cerca de 500 moradores lotaram a Câmara no dia 2 de agosto, na volta do recesso parlamentar. Eles gritaram “Taxa de lixo, não!” e “Fora, ‘Neytaxa’” e tacharam vereadores que apoiavam o prefeito de “traidores do povo” – com arremesso de moedas ao plenário. O então presidente Hugo Prado (à época PSB), amedrontado, encerrou a sessão. Na sessão seguinte, comissionados foram recrutados pelo governo para confrontar os manifestantes.
Sob pressão, em 14 de agosto, Ney recebeu a OAB para tratar para tratar do pedido da entidade de suspensão da taxa de lixo, por dupla ilegalidade (o tributo não poderia ser cobrado no mesmo ano em que foi decretado nem com igual valor para todos os contribuintes), mas foi irredutível – ao seu estilo, quando contrariado. Porém, no dia seguinte, o Tribunal de Justiça acolheu ação de inconstitucionalidade ingressada pelo PSOL e barrou a cobrança.
Com a suspensão pela Justiça, Ney aprovou no dia 27 de agosto um projeto de lei na Câmara para voltar a cobrar a taxa de lixo, com voto favorável de dez vereadores (cinco foram contra) – devotado a “sacrificar a população”, ele mandou a proposição à Casa para votação em regime de urgência e “às escondidas”, com ementa (resumo) do texto se referindo ao Código Tributário e protocolado por secretário de Ney com sessão já em andamento.
Conversa a portas fechadas, orientação para calar para “esconder” o projeto durante votação, ideia de misturar outras matérias para moradores não perceberem o projeto “perverso”, aposta na falta de memória da população após aprovado, sugestão de suspender a cobrança ao chegar a eleição e até um grito de guerra – “unidos contra o povo”. O VERBO relatou os bastidores da aprovação da taxa de lixo, conforme interlocutores dos vereadores.
Com a lei aprovada, Ney só poderia cobrar a taxa de lixo em 2018. No entanto, o TJ anulou no dia 22 de novembro liminar que suspendia a cobrança pela ação ter sido ingressada por um partido (PSOL) sem vereador na Câmara. De imediato, Ney voltou a obrigar a população a pagar o tributo em 2017, apesar da mesma “dupla ilegalidade”. Em 18 de dezembro, porém, o TJ concedeu nova liminar ao acolher outra ação, agora considerada legítima, do PT.
No dia 28 de dezembro, cerca de 500 moradores realizaram nova manifestação na porta da prefeitura contra a cobrança em 2018, mas o prefeito ignorou e continuou a recolher a taxa. Só após derrota ruidosa nas urnas dos candidatos que lançou, a irmã Ely Santos (à época PRB), candidata a deputada federal, e Hugo, postulante a deputado estadual, Ney anunciou, já em 29 de novembro de 2018, o cancelamento da taxa de lixo no ano seguinte.
Em uma entrevista na ocasião, em que omitiu as artimanhas para taxar a população, Ney se esforçou em dizer que “implantou”, e não “criou” a taxa de lixo – inclusive orientou Ely e Hugo a usar o discurso, em vão, já que a população “não caiu” na conversa. Mas o próprio Ney se traiu e deixou escapar que “criou” o tributo. No início, nem se corrigiu. “Até porque quando nós criamos, criamos porque não tinha outra solução”, alegou, constrangido.
Ney “pagou para ver” ao revogar só após revés eleitoral. Em julho, ele aceitara reduzir, e não suspender a taxa, como “barganha” para o então vereador Luiz do Depósito (MDB) voltar à base do governo. Ele só reviu após muita luta popular e crer que não seria reeleito, ao contrário do agora “bondoso” Ney que entrou na Justiça. “Para quem tem memória curta, uma boa ação”, ironizou o advogado Marco Aurélio do Carmo, que militou contra a cobrança.