Moradora de Taboão, ‘poeta ousada’ Tula Pilar morre aos 48 anos e causa comoção

Especial para o VERBO ONLINE

ADILSON OLIVEIRA
Especial para o VERBO ONLINE, em Taboão da Serra

Mineira que se radicou em Taboão da Serra e presença ativa em saraus do Campo Limpo e região, periferia de São Paulo, a escritora e poeta Tula Pilar Ferreira morreu na quinta-feira (11), aos 48 anos, de parada cardiorrespiratória – ela faria aniversário no dia 25. Ela chegou a ser socorrida à UPA Akira Tada, em Taboão, mas não resistiu, apesar de tentativa de reanimação. Artistas e ativistas negros receberam a notícia da morte de Tula com surpresa e consternação.

A poetisa e escritora
A poetisa e escritora Tula, seguidora de Carolina de Jesus, ao receber a medalha ‘Zumbi’ da Câmara de Taboão

Tula – que quando criança vivia com as cinco irmãs nas casas onde a mãe, Antônia, trabalhava, em Belo Horizonte -, gostava de escrever desde a tenra idade e na casa das patroas pegava os livros das estantes, que as inspirava a redigir as próprias palavras. “Um dia, quando era pequena, escrevi um poema. A patroa me viu com o papel, pegou para ler e perguntou se eu estava louca por ler e escrever ao invés de trabalhar e onde eu tinha aprendido a escrever”, lembrava.

Tula já se viu diante da face do racismo. “Eu falei que tinha gostado do que tinha lido no livro e tinha me inspirado. Aí ela olhou de novo, rasgou o papel e jogou no tapete, falando que era para eu limpar, que eu estava na casa dela para trabalhar e que se ela me pegasse escrevendo, eu ia ver. Nisso ela puxou meu cabelo e me deu um beliscão”, contou, em perfil publicado no livro “Identidade e força ancestral: histórias de mulheres dentro da periferia de São Paulo”.

Não foi algo isolado. Tula chegou a estudar na mesma escola dos filhos da dona da casa. “Tudo estava indo bem até que as negrinhas começaram a se sair melhor que os filhos da patroa. Não era aceitável que as filhas da empregada tirassem notas mais altas”, contou. Ela nunca soube quem era o pai, mas sentia falta mesmo da convivência com os avós e da luta deles contra a escravidão. “Eu gostava tanto dessas histórias que coloco nas minhas poesias”, dizia.

Aos 14 anos, Tula foi viver no Rio, onde teve trabalhou como babá, a primeira profissão, arrumadeira, copeira. Voltou para BH, mas com “muitos sonhos e desejos” se mudou para São Paulo para ser empregada doméstica. Na maior cidade do país, amadureceu, teve duas filhas e um filho. Desistiu de trabalhar na casa de patroas e foi vender convênio de saúde e edições de uma revista comercializada nas ruas, a “Ocas”, onde publicou pela primeira vez um poema.

Ela sempre gostou de contar as experiências sexuais nos poemas, mesmo sem mostrar a ninguém. Até ler um poema em um “sarau erótico” em bar no Campo Limpo organizado por Binho, do Sarau do Binho. “Comecei a ser tachada como ‘aquela que fala aquelas coisas’. Isso foi há uns 12 anos, eu era tida como uma aberração. Mas algumas mulheres começaram a se inspirar em mim e a querer falar e foi surgindo uma onda de mulheres poetas mais ousadas”, contou.

Autora de livros como “Palavras Inacadêmicas” e “Sensualidade de Fino Trato”, com erotismo, racismo e luta de classes como temas frequentes dos escritos que produziu, Tula tinha como principal inspiração a obra de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) – uma das primeiras escritoras negras do Brasil e considerada uma das mais importantes do pais, autora de “Quarto de Despejo: Diário de uma Favela”. Além de mineira como Carolina, passou fome como a ídola.

No poema “Sou uma Carolina”, Tula conta parte da própria trajetória: “Sou uma Carolina/ Trabalhei desde menina/ Na infância lavei, passei, engraxei…/ Filhos dos outros embalei/ […] Hoje uso salto alto/ Vestido decotado, meio curto e com babados/ Estou na sala de estar/ No meu sofá aveludado”. A autora de poesias eróticas tinha criado o próprio coletivo, o Raizarte, legado que deixa a filha “inquieta” de dona Antônia – que morreu cedo devido a problema no coração.

Em 2017, Tula recebeu a medalha “Zumbi dos Palmares” da Câmara de Taboão. “Tive a honra de homenagear essa grande poetisa da nossa cidade, em reconhecimento a sua luta e conquistas para o povo negro”, disse o vereador Ronaldo Onishi, proponente, ao lamentar o falecimento. A cineasta Tata Amaral disse: “Puxa, que tristeza! Tula foi uma artista incrível, vital e bem humorada”. Tula foi sepultada nesta sexta-feira (12), no Cemitério da Saudade, em Taboão.

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