ADILSON OLIVEIRA
Especial para o VERBO ONLINE
2014 recebeu na região a marca de fatos tão tristes quanto revoltantes, como a morte de mãe e bebê na Maternidade Antena, em Taboão da Serra, após solicitação de parto considerado mais adequado para a gestante ignorada. Com uma existência toda pela frente, jovens tiveram a vida ceifada sob duas rodas e pela violência do crime, que parece vencer. Crise dos reservatórios não é tratada com a transparência da água que falta. Políticos foram escolhidos nas urnas em novas eleições para, de novo, mostrar serviço, como resolver o problema crônico das enchentes decorrentes de obras inacabadas ou mal feitas. Que 2014 tenha aguçado o sentimento de cidadania. Que 2015 seja um ano para praticar.
###
Mortes ‘absurdas’ na maternidade de Taboão
A vendedora Adriana Maria Andrade, 37 anos, e a bebê que esperava morreram, no dia 1º de setembro, após realização do parto no Pronto-Socorro e Maternidade do Antena, em Taboão da Serra. A moradora do Parque Marabá deu à luz, às 6h, uma menina que não resistiu em procedimento com grave sofrimento. O atendimento resultou também na morte da mãe, horas depois, à tarde. Abalada, a família acusa a unidade de negligência e fez boletim de ocorrência.
O médico que atendeu Adriana em cuidadoso acompanhamento de pré-natal solicitou que a paciente fosse submetida a cesárea, conforme guia de encaminhamento a que o VERBO teve acesso. A maternidade, gerida pela SPDM, ignorou a orientação e iniciou parto normal de um bebê de mais de 5 quilos e quase 60 cm. Para o prefeito Fernando Fernandes (PSDB), o próprio estado de saúde da gestante pode ter provocado a morte da parturiente e da criança que esperava.
Revoltado, o técnico em informática Anderson de Melo, que perdeu a mulher e a filha, exige que seja “investigado tudo” e o médico responsável seja processado para “nenhuma outra família ter o mesmo sofrimento”. Ele quer indenização aos filhos da mãe que entrou na unidade para dar à luz e saiu morta. Uma semana antes, Angélica de Oliveira, 25, também morreu no Antena por suposta negligência médica. Família denuncia laqueadura feita logo após o parto.
Morte por dengue após alta médica ‘negligente’
O caso da universitária Bruna Maioli, de 23 anos, foi a primeira morte por dengue em Taboão da Serra no ano, admitiu a secretária de Saúde, Raquel Zaicaner, no dia 12 de maio, duas semanas após o óbito. A jovem entrou no hospital particular Family na manhã de 28 de abril, com febre havia quatro dias, vômitos e diarreia, foi medicada e liberada, mas seis horas depois voltou, já com pressão baixa e falta de ar, e teve parada cardiorrespiratória no fim da noite.
“O caso da Bruna foi um caso muito grave que aconteceu num hospital particular, a prefeitura não pode inferir sobre o atendimento”, disse Raquel. Depois, voltou a afirmar que o exame de sangue de Bruna era “absolutamente tranquilo que nenhum profissional de saúde diria que ia ter hemorragia no mesmo dia”. Familiares acusam que a jovem, moradora do Jardim Record, morreu por falta de combate à dengue pela prefeitura e por negligência do hospital.
No dia 30 de abril, em entrevista ao VERBO, Raquel informou que Taboão tinha até então 54 casos confirmados de dengue, dos quais 43 autóctones (contraídos no município), entre inicialmente 342 suspeitos. “Nunca chegamos a surto. Para qualquer município do mundo ter um surto, precisa ter 100 casos autóctones confirmados para cada 100 mil habitantes”, disse. Afirmou que “100%” dos casos notificados tinham sido visitados, mas a informação foi desmentida.
UPA com caos no atendimento e em ‘eterna’ obra
A UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Akira Tada, em Taboão da Serra, teve situação de caos no atendimento no dia 22 de abril. Falta de médicos e profissionais de enfermagem, atendentes sobrecarregados e “mal educados”, usuários sentados no chão e em acessos entre andares à espera de consulta ou medicação, “bagunça” na triagem com sumiço de fichas e demora de mais de dez horas para atender foram o cenário desolador no pronto-socorro, superlotado.
Na UPA na ocasião, A vereadora Érica Franquini (então PDT) disse ao VERBO ter verificado que quatro clínicos e dois pediatras atendiam. “O que está bagunçado é a triagem, não é falta de médico […]. A classificação de risco que não está dando certo, vamos ter que conversar, sou presidente da Comissão [de Saúde da Câmara] e vou levar isso ao prefeito”, afirmou. Questionada pela reportagem, secretária Raquel Zaicaner prometeu mais médico e enfermeiro na UPA.
Em Embu das Artes, o prefeito Chico Brito (PT) atrasou pela quinta vez, em espaço de um ano, a inauguração da UPA no Dom José/Santo Eduardo, periferia muito populosa e com alta demanda de urgência e emergência. A unidade começou a ser construída em 2010, teve visita de ministro da Saúde que nem mais ocupa o cargo, e não foi entregue à população quase cinco anos depois. Chico diz que a demora se justifica por conta de que “dobramos o tamanho da UPA”.
Acidente fatal para jovens com toda vida pela frente
Sob forte comoção, familiares e centenas de amigos – muitos jovens – se despediram de Dayane Aparecida, de apenas 18 anos, no enterro no Cemitério da Saudade, em Taboão da Serra. Ela e Victor Salomão, também de 18, morreram em um grave acidente de carro na madrugada de 22 de fevereiro em via marginal à rodovia Régis Bittencourt de acesso ao retorno do Parque Pinheiros. Três dos outros quatro ocupantes do Gol foram internados, dois em estado muito grave.
Encontrado pelo VERBO, o motorista de caminhão Reinaldo Vieira, 48, fez um depoimento emocionado sobre o filho e relatou que William, 21, estava com a namorada, Dayane, no colo na hora do acidente, sem cinto. Vieira disse que a batida num poste e muro na via a 130 km/h não foi fatalidade. “Excesso de velocidade já é um pouquinho de abuso.” Os três feridos hoje estão bem. “Médico me deu 1% de chance de viver, e estou cheio de vida”, vibrou William ao VERBO.
Escalada da violência com ações de extermínio
Violência se apresentou em escalada em 2014. Taboão da Serra teve mais roubo em novembro do que no mesmo mês em 2013 – 187 ante 182 – e já superou a marca de todo o ano passado – só até o mês passado, teve 2.688 casos, contra 2.391 em 2013 inteiro (+12%, mas se comparados os números até novembro a alta chega a 22,1%). Explosões de caixas eletrônicos também viraram rotina em Taboão e em Embu das Artes, onde, porém, o roubo caiu 30% em novembro.
Porém, Embu teve em novembro um homicídio a mais (4) do que mesmo mês em 2013 (3) e se aproxima do total do ano passado (até novembro, 36, contra 44 ao longo de 2013). Duas das vítimas foram Franklin Lemes, 18, e Fabio Passos, 33, mortos por homens encapuzados, em 23 de agosto. Crimes brutais também vitimaram muitas mulheres. Projeto do Ministério Público em Taboão de ressocialização de “valentões” que agridem mulheres foi um alento.
Crise hídrica histórica e racionamento ‘escondido’
Mapas apresentados pela Sabesp indicaram áreas de “nível crítico” de abastecimento, incluindo como regiões onde pode ocorrer falta d’água por redução de pressão na rede três bairros de Taboão da Serra, quatro de Embu das Artes, dois de Itapecerica da Serra e um de Embu-Guaçu, entre 183 pontos na Grande São Paulo. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) recebeu os descritivos em 24 de outubro, só após recorrer à Lei de Acesso à Informação.
De fato, a região sofreu os reflexos do agonizante sistema Cantareira e teve que conviver com torneiras secas em muitos bairros, sobretudo os que já lidam com falta d’água muito antes da crise hídrica. Um técnico da Sabesp disse: “Racionamento já tem, só não está sendo falando por causa da eleição”. Alexandre Padilha (PT) disse que “São Paulo sofre seca de água há um ano, mas de obras há uma década”, mas Geraldo Alckmin (PSDB) ganhou no primeiro turno.
Analice e Geraldo vencem; Aprígio e João Leite fracassam
Como quatro anos atrás, Analice Fernandes (PSDB), com 151.407 votos, e Geraldo Cruz (PT), com 60.103, foram os candidatos a deputado estadual da região eleitos – e reconduzidos – à Assembleia Legislativa de São Paulo nas eleições em 5 de outubro. Candidato a estadual, João Leite (PT) teve 58.169 votos e não foi eleito, mesmo com a máquina do governo Chico Brito. Aprígio (PSB), candidato a federal, teve modestos 41.047 votos e também fracassou no pleito.
Os demais 20 candidatos a estadual e outros 20 a federal de Taboão da Serra, Embu das Artes e Itapecerica da Serra – com mais eleitores entre as cidades do eixo da BR-116 – não conseguiram se eleger. Para governador, Geraldo Alckmin (PSDB) foi eleito no primeiro turno com 57,31%. Para presidente, Dilma Rousseff (PT) foi eleita no segundo turno com 51,64%. Estiveram na região Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), que morreu em acidente de avião.
Criador versus criatura no ‘quintal’ petista em Embu
O racha entre os petistas Chico Brito, prefeito, e Geraldo Gruz, deputado e antecessor, se aflorou em 2014 e ganhou contornos de “guerra declarada”, ao melhor estilo “criatura contra criador”, recorrente na política. A briga começou a se tornar pública quando, em 2 de fevereiro, Geraldo realizou evento do mandato boicotado pelo prefeito, vereadores do PT e aliados, presidentes das siglas apoiadoras, secretários – muitos que levou para a prefeitura – e comissionados.
Só esquentou. O secretário Paulo Giannini disse que Geraldo era dissidência do PT. Geraldo recorreu ao PT estadual para fazer os “geraldistas” assumirem postos na direção do partido nas vagas de Chico e João Leite, disse que Chico trapaceou na eleição da sigla. Chico demitiu da prefeitura aliados de Geraldo após afirmar ter sido vaiado pelo grupo. Mas o episódio emblemático foi Chico negar a palavra a Geraldo em inauguração de creche no Jardim Santo Eduardo.
Acordos e cartadas inusitados na eleição das Câmaras
Em cartada para definição do comando do Legislativo, Ney Santos (PSC) foi eleito em 20 de dezembro presidente da Câmara de Embu das Artes, com o prefeito Chico Brito (PT) como “mentor”. Com acordo com um eleito na oposição e adversário do PT, Chico se lança sem reservas contra o desafeto Geraldo Cruz (PT), virtual candidato a prefeito em 2016. Às vésperas da eleição na Câmara, Ney obteve liminar e não deixa a vereança até ser julgado mérito de processo.
Em Taboão da Serra, o vereador Marcos Paulo (Pros) ignorou “ordem” de Fernando Fernandes (PSDB) e negociou votos da oposição para ser presidente da Câmara. “Fisgado” pela vaidade, Moreira (PT) disse que se tivesse apoio votaria em si para presidente e levou Paulo, para evitar o “risco” de a oposição comandar a Casa, a conversar com o outro grupo, mais “fiel” ao prefeito, que deu reviravolta na eleição da mesa. Cido (DEM) foi eleito presidente em 16 de dezembro.
Animais transferidos; reforma de zoo paralisada
Após queda-de-braço e depois entendimento entre ativistas e prefeitura, a leoa do Parque das Hortênsias, em Taboão da Serra, foi transferida para um santuário ecológico em Jundiaí (SP), a ONG Mata Ciliar, no dia 2 de junho. Helga, como chamada, foi levada quatro meses após assinado termo para obras no zoológico municipal e dois meses desde a chegada da caixa de transporte, para se adaptar e não ser sedada. É provável que nunca mais volte ao zoo da cidade.
Em 8 de julho, mais 18 animais foram transferidos à ONG – quatro macacos-prego, dez corujas, três carcarás e um gavião. A retirada da leoa e da segunda leva ocorreu após ativistas, que exigiam a remoção dos bichos sob acusação de maus tratos, acamparem diante do zoo por quase um mês, até serem tirados à força pela Guarda Municipal. Os animais voltariam à cidade, pelo menos os de pequeno porte, após reforma do parque, mas a obra foi paralisada.
Mário Pazini, ator-símbolo da ‘Paixão de Cristo’
O ator e diretor teatral Mário Pazini Júnior, artista-símbolo no papel de Jesus da encenação da Paixão de Cristo em Taboão da Serra, morreu no dia 31 de março por falência múltipla dos órgãos decorrente de câncer de pleura (membrana que reveste os pulmões). Estava internado fazia uma semana em hospital em São Paulo e deu entrada após falta de ar aguda. Ele lutava contra a doença havia um ano. Foi enterrado sob aplausos e reverência de artistas.
A 58ª Paixão de Cristo de Tabão, no dia 18 de abril, teve e maior carga dramática em personagens como o traidor Judas e impressionou o público com atuação e caracterização “reais” do elenco. Cerca de 20 mil pessoas assistiram à encenação que reuniu em torno de 80 atores, a maioria profissionais, e teve 3 horas e meia de duração. Entre 30 de outubro e 9 de novembro, Taboão voltou a ter a Festa do Peão, com shows dos principais ídolos da música sertaneja.
Sai prefeito, entra prefeito, enchente de sempre
Mal 2014 tinha começado, no dia 22 de janeiro, cerca de 500 famílias do Jardim Leme, Silvio Sampaio, Maria Luiza e Jardim Clementino, em Taboão da Serra, tiveram as casas invadidas pela água após chuva torrencial e transbordamento do córrego Pirajuçara. Líder do governo Fernando Fernandes disse que a enchente foi agravada por falha nas bombas de piscinão em Embu das Artes e acusou de omisso o prefeito Chico Brito (PT), que disse que Marco Porta (PRB) mente.
No dia 4 de março, dezenas de casas foram atingidas pela cheia do córrego Ponte Alta após chuva forte no Jardim Scândia (Pirajuçara), em Taboão. Revoltados, os moradores fizeram barricada com pertences inutilizados e bloquearam a avenida Cid Nelson Jordano. Entre outras enchentes, no último dia 12, o Clementino voltou a alagar e também ruas do centro próximas ao piscinão foram bastante castigadas. Moradores e comerciantes contabilizam inúmeros prejuízos.